♻️ 1. Um setor essencial, mas penalizado
A indústria de resíduos — que abrange a coleta, triagem e reciclagem de materiais descartados — desempenha papel central na economia circular e na sustentabilidade ambiental. Paradoxalmente, porém, o sistema tributário brasileiro historicamente penalizou esse setor.
Empresas que adquirem sucata, papel, plástico, vidro ou outros resíduos de catadores, cooperativas ou pessoas físicas não conseguem aproveitar créditos de ICMS, PIS e COFINS, pois essas operações são isentas ou fora do campo de incidência. Assim, embora a atividade cumpra uma função ambiental e social relevante, o fisco a trata como custo puro.
O resultado é uma distorção: reciclar sai mais caro do que usar matéria-prima virgem, porque o insumo reciclado chega sem crédito, mas a saída do produto reciclado é tributada normalmente.
⚖️ 2. O regime atual: neutralidade quebrada
ICMS
Desde os anos 1990, o Regulamento do ICMS de São Paulo (Decreto nº 45.490/2000, art. 392, III) prevê o diferimento do imposto nas operações com resíduos, aparas e sucata até a entrada em estabelecimento industrial.
Isso significa que, quando a sucata entra em uma indústria, encerra-se o diferimento, e o comprador deve lançar e recolher o ICMS na entrada — mesmo que o fornecedor seja catador, cooperativa ou pessoa física.
Empresas do Lucro Real ou Presumido até conseguem contabilizar o débito e o crédito na escrita fiscal, mas na prática a operação não gera crédito efetivo, pois o fornecedor não é contribuinte do imposto. O resultado é que o ICMS deve ser efetivamente pago na entrada, sem compensação.
O quadro é ainda mais gravoso para as empresas do Simples Nacional, que precisam recolher o ICMS via GARE, sem direito a crédito algum, sobre o valor pago aos catadores.
Em outras palavras, o sistema atual tributa a própria compra da sucata — um insumo ambientalmente positivo — gerando custo efetivo adicional e perda de competitividade para o setor.
PIS e COFINS
O cenário é igualmente desfavorável. As normas que regem o PIS e a COFINS criaram, ao longo dos anos, um verdadeiro labirinto interpretativo para as operações com resíduos e sucatas.
Em tese, as vendas realizadas por pessoas físicas, cooperativas ou associações estão fora do campo de incidência ou são isentas, o que impede que o comprador — normalmente uma indústria recicladora — aproveite qualquer crédito. Por outro lado, quando o fornecedor é pessoa jurídica, o aproveitamento de crédito depende de o PIS e a COFINS terem sido efetivamente cobrados na etapa anterior, o que raramente ocorre nesse tipo de cadeia.
Durante anos, o tema foi objeto de idas e vindas legislativas e judiciais, com dispositivos que ora vedavam, ora autorizavam o crédito, sem jamais estabelecer uma regra clara e estável. O resultado é uma insegurança jurídica crônica, que afeta especialmente os contribuintes que tentam conciliar conformidade fiscal com práticas sustentáveis. Ainda hoje o tema ainda não foi pacificado pelo STF.
Em essência, o sistema atual desestimula a reciclagem, pois quem compra sucata paga integralmente os tributos na saída, sem qualquer compensação na entrada — ainda que o produto que originou aquele resíduo já tenha suportado tributação integral quando novo. Essa lógica cria uma dupla tributação econômica e coloca o insumo reciclado em posição de desvantagem frente à matéria-prima virgem, contrariando os objetivos de sustentabilidade e eficiência econômica.
🏛️ 3. O novo capítulo da Reforma Tributária
O Projeto de Lei Complementar que regulamenta o IBS e a CBS finalmente corrige essa distorção. O artigo 170 do texto, inserido no Capítulo IX – Dos Resíduos e Demais Materiais Destinados à Reciclagem, Reutilização ou Logística Reversa, cria créditos presumidos para aquisições de resíduos sólidos de pessoas físicas, cooperativas ou organizações populares.
Poderão se creditar os contribuintes do regime regular de IBS e CBS que utilizem esses materiais em processos de destinação ambientalmente adequada (reutilização, reciclagem, compostagem, rerrefino etc.).
📊 4. O que o Art. 170 estabelece
O dispositivo define de forma clara:
- Quem é o beneficiário: contribuintes de IBS/CBS que comprem de “coletores incentivados” — pessoas físicas, associações ou cooperativas;
- O que é resíduo sólido: todo material descartado resultante de atividades humanas, nos estados sólido ou semissólido;
- O que é destinação final adequada: reciclagem, reutilização, compostagem e recuperação ambiental.
E, o mais importante, fixa percentuais crescentes de crédito presumido, aplicáveis sobre o valor da aquisição:
E, o mais importante, o artigo 170 fixa percentuais crescentes de crédito presumido, aplicáveis sobre o valor da aquisição. O crédito de IBS começará em 1,3% em 2029, passará para 2,6% em 2030, 3,9% em 2031, 5,2% em 2032 e chegará a 13% a partir de 2033. Já o crédito da CBS será fixo em 7% durante todo o período de transição.
Assim, a soma dos dois tributos permitirá que, a partir de 2033, as empresas possam se creditar de até 20% do valor pago pelo resíduo reciclável, o que representa uma verdadeira revolução fiscal verde.
O texto ainda prevê exceções (como agrotóxicos, medicamentos, pilhas, pneus, eletrônicos e sucata de cobre) por razões ambientais e de controle, mas mantém amplo alcance para materiais de alto volume e relevância social, como papel, plástico, vidro e metais comuns.
🌍 5. Impactos econômicos e ambientais
Essa mudança é profunda. O novo crédito presumido:
- Reduz a carga tributária efetiva do setor de reciclagem;
- Aumenta a formalização da cadeia, incentivando a emissão de notas e integração dos catadores;
- Corrige a distorção econômica, tornando a sucata competitiva em relação à matéria-prima nova;
- Alinha o sistema tributário à política ambiental, transformando a reciclagem em atividade tributariamente estimulada, e não penalizada.
Trata-se de um avanço histórico rumo à “não cumulatividade ambiental”.
⚙️ 6. Conclusão: um passo em direção à justiça tributária
A Reforma Tributária, ao criar crédito presumido para resíduos, corrige uma injustiça estrutural. Pela primeira vez, o Brasil reconhece que quem recicla não apenas reduz o impacto ambiental, mas também gera riqueza, inclusão e economia fiscal.
O art. 170 é, portanto, um marco de justiça tributária e ambiental. Ele concretiza o princípio de que tributar menos quem ajuda o planeta é tributar com mais inteligência.
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