A Reforma Tributária do Consumo trouxe uma mudança silenciosa, mas potencialmente muito relevante, para estruturas patrimoniais e grupos familiares: operações não onerosas ou suboneradas envolvendo imóveis entre partes relacionadas passam a integrar, de forma expressa, a base de incidência do IBS e da CBS, pelo valor de mercado.
Esse ponto representa uma ruptura importante em relação ao modelo atual. Hoje, em muitas estruturas, é comum que imóveis mantidos em holdings patrimoniais sejam utilizados por empresas do mesmo grupo ou até pelos próprios sócios, sem cobrança de aluguel ou com valores simbólicos. Sob a sistemática do PIS e da COFINS, essas operações, em regra, não geram incidência pois não se enquadram no conceito de “faturamento”, base desses tributos. Com o novo modelo, essa lógica deixa de existir.
A Lei Complementar nº 214/2025 foi explícita ao tratar do tema. O artigo 5º estabelece que o IBS e a CBS também incidem sobre determinadas operações, mesmo quando não há contraprestação econômica formal.
Nos termos do caput do artigo 5º, passam a ser tributáveis, entre outras hipóteses, o fornecimento não oneroso ou a valor inferior ao de mercado de bens e serviços, nas situações previstas na própria Lei Complementar. Mais adiante, o inciso IV do mesmo artigo reforça o alcance da norma ao determinar a incidência do IBS e da CBS sobre demais fornecimentos não onerosos ou a valor inferior ao de mercado de bens e serviços realizados por contribuinte a parte relacionada.
Esse dispositivo é particularmente sensível para holdings patrimoniais. Ele deixa claro que não se trata apenas de coibir situações excepcionais, mas de estabelecer uma regra estrutural: se há fornecimento e há relação entre as partes, o preço praticado deixa de ser relevante quando não reflete valor de mercado.
A própria lei trata de definir, de forma ampla, o que se entende por partes relacionadas. O § 3º do artigo 5º enumera hipóteses que vão muito além da relação direta de controle societário. São consideradas partes relacionadas, entre outras:
– o controlador e suas controladas;
– as sociedades coligadas;
– entidades incluídas, ou que seriam incluídas, em demonstrações financeiras consolidadas;
– entidades em que uma delas tenha direito a receber, direta ou indiretamente, ao menos 25% dos lucros ou dos ativos em caso de liquidação;
– entidades sob controle comum ou em que o mesmo sócio, acionista ou titular detenha 20% ou mais do capital social de cada uma;
– entidades em que os mesmos sócios ou acionistas, ou seus cônjuges, companheiros ou parentes até o terceiro grau, detenham ao menos 20% do capital;
– a entidade e a pessoa física que seja cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau de conselheiro, diretor ou controlador.
O § 4º amplia ainda mais o alcance ao esclarecer que, para fins dessa definição, o termo “entidade” compreende tanto pessoas jurídicas quanto pessoas físicas, inclusive entidades sem personalidade jurídica.
Na prática, isso significa que a utilização gratuita ou subavaliada de imóveis entre empresas irmãs, entre holding e operacional, ou entre holding e sócios pessoas físicas passa a ser, como regra, fato gerador do IBS e da CBS, com base no valor de mercado do aluguel.
Não importa, para fins tributários, se não há contrato, se o contrato prevê valor simbólico ou se a utilização decorre de mera liberalidade. A lógica do novo sistema desloca o foco do preço formal para a realidade econômica da operação.
Esse ponto ganha ainda mais relevância quando se observa que o novo modelo de fiscalização será fortemente apoiado em cruzamento de dados, cadastro imobiliário nacional e documentação fiscal eletrônica. A própria arquitetura do IBS e da CBS foi desenhada para reduzir espaços de planejamento intragrupo baseados em preços artificiais ou na ausência de cobrança.
Para holdings patrimoniais e grupos familiares, o risco é concreto. Estruturas que hoje funcionam de forma aparentemente neutra podem passar a gerar carga tributária relevante, retroativamente questionada com base em arbitramento de valor de mercado. Além disso, a ausência de documentação adequada tende a agravar o risco fiscal, especialmente quando combinada com relações familiares e controle comum.
Diante desse cenário, a revisão das políticas de uso de imóveis intragrupo deixa de ser uma questão de eficiência e passa a ser uma necessidade de conformidade tributária. Contratos, valores praticados, critérios de mercado e documentação passam a ter papel central na mitigação de riscos no novo ambiente do IBS e da CBS.
Mais do que nunca, operações “informais” dentro do grupo deixam de ser invisíveis ao fisco. A Reforma Tributária tornou explícito aquilo que antes era apenas implícito: não cobrar não significa não tributar.


